Sleep Token e busca pela paz em meio a fama
Even in Arcadia é o quarto álbum da banda britânica e brinca com expectativas dos que tentam classificar seu estilo musical assumindo uma identidade autêntica e madura.
Muito jovem para ficar amargurado com tudo isso. Velho demais para retaliar como antes […] Este palco é uma prisão.
– Sleep Token, “Caramel”
A banda londrina é formada em 2016 por Vessel (vocalista) e II (baterista), e conta com a participação de III (baixista) e IV(guitarra). Desde seu primeiro lançamento, Sundowning, a banda é conhecida por seus shows (ou rituais como alguns fãs chamam) impactantes e repletos de simbolismo. A identidade real de cada membro é um dos muitos mistérios que envolvem a Sleep Token, que vem conquistando uma boa base de fãs e se estabelecendo como um grande nome do rock.
Esse sucesso ganha ainda mais força após ganharem o prêmio Billboard Music Award de Melhor Álbum de Hard Rock, pelo Take Me Back to Eden lançado em 2023. Viralizados no TikTok, turnês esgotadas e os holofotes voltados para o quarteto, sem dúvidas deixou marcas nos integrantes que usam esse projeto como uma carta aberta para abordar as dificuldades que tiveram que lidar nesses últimos anos.
Assim como os álbuns anteriores, Even in Arcadia leva o público para uma narrativa especial, mostrando as aflições de Vessel nessa busca por equilíbrio dentro da fama. Com fortes influências dos hinos e poesias da Grécia Antiga, o álbum pode ser entendido em dois atos: no primeiro momento a ascensão excêntrica desse “herói” e no segundo sua “queda” ou aceitação de um destino final.
O Spectrum trouxe um faixa a faixa analisando o lançamento dos queridinhos do metal, então aumenta o volume e vem com a gente!
Faixa a faixa
Look To Windward
A faixa de quase 8 minutos já indica a proposta do álbum e a dualidade que permeia parte da identidade da banda: os sintetizadores dialogam com a guitarra mais pesada, os agudos idílicos com os gritos guturais do Vessel, as melodias mais pop e comercial com toda a influência do metal.
Emergence
Uma das faixas que foi liberada previamente, a canção traz uma nova faceta do grupo que se aproxima um pouco mais do rap e do nu-metal. Com alguns elementos que nos remetem a uma trilha sonora de filme de ficção científica, o uso de metais e do piano mais evidentes no final da música contrastam reforçando essa dualidade.
Past Self
Também utilizando de influências do rap, a faixa usa de um som mais comercial para trabalhar uma letra bem intimista e reflexiva. Dando o tom da narrativa do álbum, em “Past Self” somos convidados a entender as inseguranças do Vessel e seu processo de fazer as pazes com suas decepções e defeitos.
E eu nem sei quem eu costumava ser
Mas nada é o mesmo e algumas coisas precisam mudar agora
Dangerous
Sem dúvidas um das maiores fragilidades do álbum, que se destoa negativamente. O uso de sintetizadores e a bateria eletrônica se desconectam do segundo refrão um pouco mais pesado. No entanto, a melodia mais pop permite apresentar a banda para outros públicos e poderia tranquilamente estar na playlist de algumas lojas de departamento.
Caramel
Um das melhores letras do álbum, que apesar do ritmo mais chiclete, traz fortes críticas ao universo da fama, falta de privacidade e todas as consequências de “viralizar”. A quebrada no final é fenomenal, com um gutural fortísimo, quase um grito de socorro ou de enfim liberdade, como se a partir desse momento o Vessel estivesse se libertando da pressão de estar sob os holofotes.
Even In Arcadia
Faixa que leva o nome do álbum e é a que melhor captura toda a experimentação que a banda se propôs a fazer nesse projeto, principalmente com o piano suave no início e a voz melódica do Vessel. Trazendo a própria ideia de Arcádia da Grécia Antiga - uma busca por um lugar utópico, pela simplicidade e tratando temas comuns ao homem - a faixa nos convida pra um momento de suspensão nessa narrativa de uma jornada heróica, com uma linha de violino sensível que destaca a exposição dos sentimentos.
Provider
Apesar de brincar com bons solos durante a ponte, é uma música sem grande destaque. Traz elementos do pop rock do anos 2010, evocando uma certa nostalgia, mas não inova.
Damocles
Assim como “Even in Arcadia”, a oitava faixa do álbum abusa de suas referências da Grécia Antiga ao resgatar a história de um nobre sentado em seu trono com uma espada pendurada por um fio sobre sua cabeça, representando o constante medo de falhar numa posição de destaque. Sonoramente é bem semelhante que a faixa anterior, mas apresenta uma bateria com elementos mais interessantes que dialogam bem com o piano.
Gethsemane
Assim como Arcadia, Gethsemane também representa um lugar, que segundo a tradição cristã é supostamente onde Jesus passou sua última noite em sofrimento antes da crucificação, a música trabalha um pouco essa ideia de realização e aceitação do seu sofrimento interior. Com uma melodia e instrumental mais “clássicos”, a penúltima faixa inicia com uma linha de guitarra lindíssima sem muita distorção e faz um ótimo uso do silêncio e dos momentos de pausa, para logo em seguida fazer uma quebra e partir para um som mais sintético.
Porque você fala sobre sua dor constante como se eu não tivesse nenhuma. Aprendi a viver ao lado dela e, mesmo que ela tenha acabado agora, sempre me lembrarei disso
Infinite Baths
É a culminância da jornada, o momento que a mitologia se completa e Vessel parece aceitar de forma poética o seu destino, que se traduz de forma espetacular no instrumental e nos vocais. O gutural depois da ponte nos faz questionar se essa técnica usada serve como uma persona para representar os pensamentos mais profundos do Vessel, como se a voz melódica fosse a imagem que querem dele e o grito fosse a sua verdade. Afinal, aos gritos o álbum se encerra, mostrando para o que veio e indicando os possíveis rumos da Sleep Token.
Se é sangue que você quer de mim
Você pode esvaziar minhas artérias
[...] Dentes de Deus
Sangue do homem
Eu serei
O que eu sou
Crítica
Os portões de Arcádia se abrem e mais uma vez a Sleep Token nos convida em uma aventura mitológica, repleta de significados e questionamentos. Com toda sua aura misteriosa, Even in Arcadia transborda vulnerabilidade, um projeto que escancara os conflitos de um sucesso “viral” e todas as consequências. É um álbum bem interessante de se ouvir na íntegra, justamente porque permite entender a intensão dedicada em sua produção e o amadurecimento da banda.
No entanto, em alguns momentos, as faixas mais extensas parecem se perder na sua composição, utilizando tantos elementos diferentes que falha em manter uma certa narrativa. A estética sombria e melódica, pesa o lado B do álbum que se torna sonoramente um pouco mais fraco que a primeira metade, mostra através das letras intimistas o que leva a Sleep Token a ser um dos nomes mais interessantes da música atualmente.
Sem medo de ousar, Even in Arcadia se distingue dos álbuns anteriores pela sua capacidade de explorar novas formas de se conectar, a diferentes referências e públicos, sem se preocupar com rótulos ou expectativas dos que tentam restringir a banda a um só gênero.