Filmes que ensinam sobre amar em silêncio (e em voz alta)
De Brokeback Mountain a Hawaii, como o cinema transformou histórias de repressão em narrativas de libertação - e por que isso ainda importa em 2025.
Vinte anos após Brokeback Mountain romper as barreiras do cinema mainstream ao retratar o amor proibido entre dois cowboys no Wyoming, O cinema aquileano - termo que designa representações do amor entre homens - segue sua evolução.
Neste mês do Orgulho de 2025, revisitamos este marco cinematográfico e mais quatro obras fundamentais que, juntas, traçam um arco transformador: desde a repressão dolorosa de Maurice até as libertações contemporâneas de God's Own Country, The Man with the Answers e Hawaii. Narrativas que atravessam quatro décadas provam que o amor entre homens - seja no campo, na cidade ou na estrada - permanece como ato político de existência.
ALERTA: Esse texto pode conter spoilers! 🚨
Maurice (1987)
Adaptação do romance póstumo de E.M. Forster, Maurice foi pioneiro ao mostrar um final feliz para um romance entre homens no cinema de época. Dirigido por James Ivory, o filme contrasta dois amores: o intelectualizado com Clive (Hugh Grant) e o carnal com Alec (Rupert Graves).
A cena em que Maurice (James Wilby) é hipnotizado para "curar" sua homossexualidade é particularmente dolorosa, mostrando a violência psicológica da época. Já a sequência final, com Alec subindo a escada para o quarto de Maurice, foi tão revolucionária que Merchant-Ivory precisaram filmar secretamente - os produtores queriam um final trágico.
O filme permanece relevante por mostrar como o amor desafia hierarquias sociais - Maurice é de classe média alta, Alec um simples guarda-caça. Seu abraço final é um ato político tanto quanto romântico.
Brokeback Mountain (2005)
Globo de Ouro de melhor drama, oito indicações ao Oscar, apologia da homossexualidade, provocação contra conservadores. Dirigido por Ang Lee, Brokeback Mountain revolucionou o cinema mainstream ao retratar o romance proibido entre dois cowboys no conservador Wyoming dos anos 1960. Heath Ledger como Ennis Del Mar oferece uma das performances mais comoventes do cinema, encapsulando a tragédia de um homem que ama profundamente, mas não consegue se libertar dos grilhões sociais.
O filme brilha em seus silêncios eloquentes - o olhar de Ennis após o primeiro encontro sexual, suas mãos tremendo ao segurar a camisa de Jack no final. A direção de Lee transforma a paisagem majestosa em personagem, testemunha muda de um amor que só pode existir longe dos olhos do mundo.
A cena do confronto final - "I wish I knew how to quit you" (Eu gostaria de saber como te esquecer) - tornou-se icônica, resumindo a dor de um amor que sobrevive por décadas, mas nunca pode ser plenamente vivido. O desfecho, com as duas camisas entrelaçadas no armário, é um dos momentos mais poéticos já filmados sobre memória e luto amoroso.
Hawaii (2013)
Marco Berger, mestre do cinema queer latino-americano, constrói em Hawaii um jogo de sedução onde cada olhar e toque acidental ganha peso dramático. Eugenio (Manuel Vignau), um escritor de classe média, recontrata sem querer Martín (Mateo Chiarino), seu amigo de infância agora em situação precária.
O filme constrói sua tensão na economia de diálogos - Berger mostra o desejo crescendo através de cenas cotidianas: consertando um telhado, tomando mate, na cena do banho no rio onde lavar as costas do outro se torna ato íntimo. A diferença de classes está sempre presente, mas o deseiro acaba por dissolver temporariamente essas barreiras.
A cena final, com os dois deitados na cama ouvindo "Hawaii" de The Beach Boys, captura perfeitamente aquele momento fugaz onde tudo parece possível - antes que a realidade social imponha seus limites.
God's Own Country (2017)
Francis Lee criou em seu filme de estreia um retrato cru e poético da transformação de Johnny (Josh O'Connor), um jovem fazendeiro de Yorkshire que desconta sua frustração em bebedeiras e encontros sexuais anônimos. A chegada de Gheorghe (Alec Secăreanu), trabalhador migrante romeno, vai desmontando suas defesas através do trabalho.
As cenas de sexo no filme são particularmente significativas - longe de serem meramente eróticas, mostram afeto. Quando Gheorghe ensina Johnny que o contato físico pode ser terno e não apenas violento, testemunhamos uma reeducação emocional. A cena em que Johnny lava as mãos de Gheorghe antes do jantar marca, simbolicamente, sua aceitação do amor.
O filme brilha ao mostrar como a masculinidade rural pode ser reinventada - quando Johnny finalmente pede "Stay" (Fique), ele está quebrando ciclos de isolamento passados de geração em geração.
The Man with the Answers (2021)
Um road movie grego-alemão. Acompanha Victor (Vasilis Magouliotis), ex-atleta mergulhador, em sua jornada de carro até a Alemanha. Aos poucos, o espontâneo Matthias (Anton Weil) vai quebrando sua rigidez através de pequenos gestos
O diretor Stelios Kammitsis usa a viagem física como metáfora do desbloqueio emocional. Cada parada na estrada revela novas camadas dos personagens, até o momento em que Victor finalmente se permite chorar - sua primeira mostra de vulnerabilidade.
Destaque para a fotografia que capta a luz mediterrânea, contrastando com a escuridão emocional inicial de Victor. O filme prova que histórias aquileanas contemporâneas podem ser tanto sobre silêncios eloquentes quanto sobre discursos grandiosos.
Esses cinco filmes formam um mosaico da experiência aquileana no cinema: da repressão à libertação, do segredo à celebração. Se Brokeback Mountain e Maurice mostram o peso das estruturas opressivas em diferentes séculos - um no conservadorismo americano dos anos 1960, outro na rigidez da Inglaterra eduardiana -, God's Own Country e The Man with the Answers apontam para possibilidades de cura e autodescoberta, enquanto Hawaii captura a beleza efêmera do desejo em seu estado mais puro.
No mês do Orgulho, essas narrativas nos lembram que cada história de amor entre homens - seja nos pastos isolados de Wyoming, nos campos ingleses, nas estradas gregas ou nos verões argentinos - é um ato de resistência e reinvenção. Brokeback Mountain, em particular, permanece como um marco por ter levado essas histórias ao grande público com rara poesia e verdade, provando que o amor aquileano pode ser tão épico quanto qualquer romance clássico.
O cinema, ao dar forma a essas narrativas, não apenas reflete realidades, mas ajuda a criar novas possibilidades de existência. Que possamos continuar contando e assistindo essas histórias em todas as suas nuances.