DESCUBRA JADSA: entre o caos e a cor, um disco para ouvir com o corpo inteiro
Com produção de Antonio Neves, big buraco revela uma nova faceta da cantora, sem perder o risco e a urgência.
Poucos artistas da nova geração brasileira se movimentam com a fluidez e coragem de Jadsa. Nascida em Salvador, a multiartista cantora, compositora, guitarrista, produtora musical e diretora artística transita entre gêneros com a mesma naturalidade com que mistura referências visuais e sonoras. Com um pé no experimentalismo e outro fincado na tradição da canção brasileira, ela ganhou destaque nacional em 2021 com o disco Olho de Vidro, que conquistou a crítica por seu caos controlado, lirismo cortante e estética vanguardista. Desde então, vem trilhando um caminho próprio e imprevisível: colaborou com nomes como João Milet Meirelles (no duo TAXIDERMIA), preparou trilhas para teatro, lançou clipes com forte carga simbólica e segue expandindo os limites do que entendemos como música popular brasileira.
“Mesmo assim, foi cair num buraco sem saber o que tinha lá dentro”. O verso que abre o novo disco de Jadsa parece inaugurar também um novo momento na carreira da artista baiana. Em big buraco, ela mergulha com coragem numa outra versão de si, uma cantora de canções populares, mas que ainda carrega em cada sílaba a densidade de quem cria com o corpo inteiro. Se Olho de Vidro a revelou como uma força inventiva, multifacetada, diretora de caos e potência, big buraco é boca em movimento, é gesto, é voz aberta em nome da vida comum.
Gravado em apenas sete dias no estúdio Wolf, no Rio de Janeiro, com produção de Antonio Neves, o disco nasceu quase de improviso, como quem risca o fósforo na hora certa. Jadsa levou as canções e os músicos chegaram um dia antes. Os arranjos, passados de boca e mão, são também um símbolo da urgência e da fé que ela deposita em seu fazer artístico. “Eu queria essa cor”, explica. E é mesmo um disco de cores: o teclado vibrante, o baixo encorpado, os sopros que respiram e falam. Um retrato moderno da canção brasileira, com ecos de Elis 71, dos anos 2000 e dos 90. Com scratches, com swing, com sol na pele.
Mas se engana quem pensa que big buraco é leveza sem camadas. Há ambiguidade e crítica no título, nas entrelinhas, no corpo do disco. Jadsa se permite brilhar, cantar, tocar o rádio e presentear mães, mas também diz, com sarcasmo afetuoso, que tudo isso acontece dentro de um grande buraco. Um buraco de mercado, de país, de tempo, onde os discos mal têm três anos de vida e já são considerados velhos. É nesse espaço, desconfortável e fértil, que ela finca seu novo trabalho.
O disco também serve como janela para revisitar suas ideias. Faixas como “tremedêra”, “no pain” e “1000 sensations” já tinham dado as caras em colaborações com João Milet Meirelles, seu parceiro no duo experimental TAXIDERMIA. Aqui, ganham nova forma, mais direta, mais canção, mas sem perder o estranhamento poético que as gerou. É como se Jadsa dançasse entre personas a performer, a musicista, a intérprete e com isso nos desse pistas de uma artista que não para de se transformar.
No fim das contas, big buraco é um disco que brilha pelo que não esconde: seu processo. A precariedade, a beleza, o improviso, a ambição. É um abraço caloroso, mas com o aviso de que há algo se contorcendo ali dentro. Como um teatro íntimo em que Jadsa, sorridente, levanta a cortina para nos mostrar que cantar ainda pode ser um gesto revolucionário.